quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ANATOMIA DO CABELO

Cabelo ao vento não existe mais. Talvez o vento já não precise mais assoprar. No quarto desinfetado, branco, limpo, cheirando a tristeza e a álcool 70º, moram uns olhos que eu não reconheço mais. Num corpo de senhora cinquentona de pernas e forças esculturais, moram olhos de longas datas. Olhos que estranham, olhos que sabem, que logo, logo serão comidos, pela morte, pela saudade ou pelo remorso.
E ela continua se comendo por dentro, numa terrível mania de dominar por completo seu destino errante de escolhas marteladas. E essa dor que não passa. E esse cabelo negro... Cabelo de menina. Cabelos... Índia teus cabelos, lá, lá, lá... Risos desafinados e distantes tomam conta da memória. Dejetos fazem parte dessa história sem final escrito, mas novelisticamente esperado.
É nessa hora que a poesia e a calma se vão. Essa história vaga e insana que novamente se escreve no meu ventre seco e escuro. Na minha cabeça pulam sacis nos pontos de ônibus desativados. Vejo o Paço, ouço passos, passa o tempo, pousa o medo, paraliso triste e nostálgica, olhos que nem na memória conseguem voltar a mim. Nem um apoio consigo mais lembrar. Nem a força com que grita, briga ou agarra. Parece que mais nada existe depois que a cabeça cansou de sentir dor.
Excede no cuidado, na morfina e na parcimônia. Falta na verdade, no cabelo e na memória. Excede no abraço, na fé, no desgaste. Falta no tempo, no perdão e na história.

sábado, 6 de março de 2010

SOBRE O AMOR

"Que desilusão. Só tinha 16. Parecia 19, 20. Parecia até especial. Mas só tinha 16. Acho que me enganou porque era grosso. Parecia ser mais por ser grosso. Mas só tinha 16. Eu que nunca me engano. Mas só tinha 16. Talvez a língua boa aluna ajudasse na mentira gostosa. A língua áspera. Os 16 grosso. O sorriso falso. Nas palavras boas e nas mãos brutas. Por que tanto desespero? Esse amor só tinha 16."

NOVEMBRO DE 2009.

RETOMANDO...

"Vamos concretar o mundo. Chegaremos com as caçambas e cobriremos tudo. Nossos livros que se queimem todos. Nossas palavras que virem murmúrios. Nossos filhos que escorram perna abaixo. Não restará uma mísera folhinha verde. Só a Casa Verde.
A casa verde ali paradinha parecendo uma bocetinha toda pequenininha, pois nunca agüenta todo o resto que eu tenho pra colocar. Então eu fico ali dentro, mas só a metadinha. A casa verde coitadinha, não agüenta tudo que eu tenho pra falar. A casa verde, aquela virgenzinha não agüenta tudo que eu tenho pra sofrer. A casa verde não sabe ainda gozar. É só um buraquinho menino."

Por Carolina Mascarenhas e Cesar Felipe Pereira